Um Combatente e um Resistente Inconformado
Aproxima-se do fim aquele que foi o ano do primeiro centenário do inicio
da I Grande Guerra (1914-1918), também conhecida pela Grande Guerra Europeia,
ou I Guerra Mundial. Muitas foram as evocações desta efeméride, muito se
escreveu e muito se discutiu sobre este conflito que marcou o inicio do Século
XX e cujas lembranças ainda hoje se mantêm vivas na memória de muitos
portugueses.
Por mais que se fale, se evoque e se discuta, muito ficará sempre por
dizer e por recordar. Foi um conflito que mobilizou cem mil soldados de
Portugal para combaterem em três frentes, Angola, Moçambique e na Flandres. Soldados
mal preparados, mal armados e mal equipados. Além de que a entrada no conflito
não era consensual na sociedade portuguesa.
Foi assim um conflito que, além dos soldados mobilizados, envolveu uma
grande parte da população portuguesa e cujas consequências se iriam fazer
sentir, por muitos e longos anos.
Esta guerra provocou aos portugueses milhares de mortos, de feridos e de
prisioneiros de guerra, e esteve na génese de uma mudança de regime, com a
implantação de uma ditadura repressiva que iria oprimir o povo português por
quarenta e oito longos anos.
Quando se fala do conflito e nas suas consequências esquecemo-nos, por
vezes, que muitos daqueles que sofreram as agruras da guerra, ficando com
marcas no seu corpo, além de serem abandonados pelo novo poder, então
instituído por Sidónio Pais, não foram poupados quando, no regresso se fez o
ajuste de contas.
É o caso de um combatente desta guerra, republicano convicto e gravemente
ferido na frente de combate na Bélgica, em 28 de Outubro de 1918, um mês antes
do Armistício. Uma vez regressado a Portugal e por não concordar com a ditadura
imposta em 28 de Maio de 1926, acabará por ser preso e deportado para as
colónias.
Defensor da instrução pública, mandou construir e ofereceu ao Estado
Português a primeira escola primária que existiu no lugar de Casa Branca –
Alvega Abrantes.
A vida deste homem, assim como a de muitos outros nas
mesmas circunstâncias, a forma como enfrentaram as adversidades da guerra e,
mais tarde, viveram os tempos difíceis da deportação e assistiram, á distância,
ao sofrimento dos seus familiares, são actos dignos de registo e de não caírem
no esquecimento.
.José Lobato Falcão nasceu na pequena localidade de Ortiga, Novo Redondo -
Alvega, concelho de Abrantes e Distrito de Santarém, a 23 de Abril de 1898, filho
de João Lobato e de Luíza Marques.
Com 18 anos oferece-se para prestar serviço militar, sendo alistado como
voluntário no Regimento de Artilharia nº 8 (RA 8), em Abrantes, no dia 12 de
Janeiro de 1916.
Mobilizado para a frente Ocidental, em França, embarca em Lisboa no dia
17 de Março de 1917, como soldado servente com o nº 447 da 1ª Bataria do 3º Grupo de Busca de
Alvos, do RA 8. Chega ao Teatro de Operações da Grande Guerra, em França, no
dia 25 de Março de 1917 e é integrado, com a sua Bataria, na 59ª Divisão de
Artilharia Britânica.
Combatendo ao lado dos ingleses é promovido a 2º Sargento a 01 de Janeiro
de 1918, sendo gravemente ferido em combate, n tórax, no dia28 de Outubro,
deste mesmo ano.
Foi submetido a várias operações no Hospital Britânico nº 1 e em
hospitais portugueses de campanha, vindo a ser dado como incapaz para o serviço
militar, por razão dos ferimentos. Regressa a Portugal, em 1919, desembarcando
em Lisboa no dia 30 de Abril.
Em 1921, a 5 de Abril, casa-se com Joaquina de Matos Miguens que era
natural da Aldeia da Mata - Alter do Chão, professora primária com quem tem duas
filhas: Lisete, nascida a 23 de Dezembro de 1921 e Armandina
de Matos Miguens Falcão, nascida a 31 de Julho de 1924.
Deduz-se que continuou ligado ao serviço militar pois em 3 de Novembro de
1923 é promovido ao posto de Alferes, por força da Lei 1464, de 15 de Agosto de
1923, sendo então 1º Sargento reformado.
Acusado de estar envolvido no levantamento militar reviralhista fracassado,
conhecido por revolta do Castelo, e que eclodiu por todo o país na noite de
20/21 de Julho de 1928, com o objectivo de afastar a ditadura militar, foi
demitido do Exército e deportado para Angola. Nesta província ultramarina
foi-lhe fixada residência na cidade de Sá da Bandeira, onde terá residido
durante dois anos. Foi durante este período de deportação que travou amizade
com o sindicalista Mário Castelhano[1],
igualmente deportado e a quem ofereceu a única fotografia que se conhece dele.
Talvez devido ao levantamento militar que se deu em Angola, em Março de
1930, é transferido para a Madeira, onde continua como deportado. Desconhece-se
a data exacta da transferência de Angola para a ilha da Madeira mas sabe-se que,
em Setembro de 1930, está com residência fixa no Funchal, onde apresenta um
requerimento ao Comandante Militar solicitando-lhe que interceda para não ser,
de novo transferido, agora para os Açores.
Em 25 de Fevereiro de 1931 regressa ao continente onde se apresenta na
Policia Política e declara ir residir em Casa Branca, freguesia de Alvega e
concelho de Abrantes. Em 1947, ainda reside nesta região de Abrantes, pois fez-se
sócio da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, na Sub-agência existente
naquela Vila.
Mais tarde virá residir para Lisboa pois quando faleceu, em 20 de Janeiro
de 1973, tinha como morada a rua Pinheiro Chagas nº 27, 3º Esq em Lisboa.
Encontra-se sepultado no cemitério de S. Miguel, em Torres Vedras, em
campa com os símbolos da Liga dos Combatentes da Grande Guerra (Talhão nº 9,
fila 4, coluna 3 e Coval nº 9).
Também se sabe, por conhecimento da correspondência trocada, entre a
Direcção Central da Liga dos Combatentes da Grande Guerra e a Agência de Torres
Vedras, na década de 1960, que foi ele quem comprou os mármores para a sua sepultura
e que requereu autorização para ser sepultado em Torres Vedras, com os símbolos
da Liga dos Combatentes da Grande Guerra.
Desconhece-se, entretanto, a razão porque quis ser
sepultado em Torres Vedras se não se lhe conhecem familiares nesta região, nem
existem registos da sua passagem pelo Lar de Veteranos Militares de Runa, que
acolheu centenas de antigos combatentes da I Grande Guerra.
É nossa intenção continuar a pesquisar dados sobre este combatente e a dá-los a conhecer.
Para isso, pede-se a quem souber de elementos que possam levar ao contacto com algum familiar deste antigo combatente, o favor de entrar em contacto com:
José João da Costa Pereira
Tenente-coronel
Presidente do Núcleo da Liga dos Combatentes de Torres Vedras
Rua 9 de Abril, 8 – 1º
(Apartado 81)
2560-301 Torres Vedras
Telefs 261096496 – 925303511 – 964123931
[1] “ (…) Mário Castelhano nasceu em Lisboa, em 1896 e faleceu no Tarrafal, Cabo
Verde, a 12 de Outubro de 1940. Foi um destacado militante anarco-sindicalista
dos anos 20 e 30. De origem modesta, começou a trabalhar aos 14 anos na
Companhia Portuguesa dos Caminhos-de-Ferro, tendo participado nas greves de
1911, 1918 e 1920, vindo a ser despedido pela sua participação na organização
destas últimas greves.
Passou, então, a ocupar-se em
actividades de escrituração no Sindicato de Ferroviários de Lisboa, na
Federação Ferroviária e na Confederação Geral do Trabalho. Membro da comissão
executiva da Federação Ferroviária, ficou com o pelouro das relações
internacionais e a responsabilidade de redactor-principal do jornal “A Federação Ferroviária”. Dirigiu,
também, os jornais “O Ferroviário” e “O Rápido”. Participou na reorganização
do Conselho Confederal da CGT, após o 28 de Maio de 1926, de onde saiu eleito
responsável do novo secretariado e redactor-principal de “A Batalha”. Após a tentativa insurreccional de Fevereiro de 1927, a
repressão policial acentuou-se, a CGT é ilegalizada e o jornal “A Batalha” assaltado, vindo Mário
Castelhano a ser preso em Outubro do mesmo ano e deportado no mês seguinte para
Angola, onde ficou dois anos.
Em Setembro de 1930, foi enviado para os
Açores e em Abril de 1931, para a Madeira, participando na insurreição desta
ilha contra o Governo. Com a derrota deste movimento, foge da ilha, embarcando
clandestinamente no porão do navio Niassa.
Em 1933, estava de novo à frente do
secretariado da CGT e faz parte do grupo que organiza o 18 de Janeiro de 1934.
Preso a 15 de Janeiro, três dias antes do movimento, é condenado pelo Tribunal
Especial Militar a 16 anos de degredo. Embarcou em Setembro de 1934, com
destino à Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, e em Outubro de
1936, para o campo de concentração do Tarrafal, onde morreu.
Foi condecorado postumamente com a Ordem
da Liberdade (…)” (in in Manuel
Loff, Sofia Ferreira - © 2010 CNCCR - Comissão
Nacional para as Comemorações do Centenário da República).
Fontes Consultadas
AHM, Arquivo Histórico Militar
Blogue Cidadãos por Abrantes (http://porabrantes.blogs.sapo.pt/alferes-lobato-falcao-1755611?mode=reply#reply)
[1]
Esta fotografia, a única que se conhece do Alferes José Lobato, encontra-se na
Universidade de Évora no arquivo Histórico e Social “A
mosca” e foi oferecida pelo Alferes Lobato a Mário Amadeu Duarte
Castelhano, seu companheiro de cativeiro em Angola – Sá da Bandeira. Tem, no
seu verso, a seguinte dedicatória “ (…)
ao amigo e camarada de deportação, Mário Castelhano, o Alferes Mutilado da g.
guerra (…)” (Novo Redondo, Abrantes-Alvega, 23/12/1929).
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